Arte Brasileira
As artes visuais brasileiras evoluíram por meio da adaptação e estilização de tendências plásticas européias, a partir do barroco, ou da evocação de tais tendências por artistas estrangeiros radicados no Brasil. Assim, não é possível falar numa escola de artes plásticas genuinamente brasileira, como se fala, por exemplo, na tradição da arte italiana, holandesa ou espanhola.Frans Post, por exemplo, é artista holandês, embora também pertença à história da pintura brasileira, e os temas brasileiros de Nicolas Antoine Taunay não o descaracterizam como pintor francês. A partir da segunda metade do século XIX, sobretudo após 1922, buscou-se o abrasileiramento da pintura, mas foi sobretudo em termos temáticos que essa busca conduziu a resultados mais palpáveis.
Pintura
Além de europeus, os primeiros pintores ativos no Brasil foram religiosos, ou de algum modo ligados a igrejas e conventos. Predominou, portanto, a pintura de temática religiosa, pouco voltada para o retrato, a paisagem e a natureza-morta. Baseadas em estampas de antigos missais franceses e flamengos, as obras desses artistas exibem curiosos anacronismos que, somados ao tosco desenho e à extrema simplificação da composição, emprestam-lhes aparência ingênua e despretensiosa.
É possível que o primeiro pintor a pisar solo brasileiro tenha sido Jean Gardien, "expert en l'art du portrait", companheiro de Jean de Léry na viagem de 1555. Outros pintores do século XVI e início do século XVII, no Brasil, foram o jesuíta Belchior Paulo, ativo em Pernambuco e depois na Bahia até 1589; Hierônimo de Mendonça, nascido no Porto em 1570, e que em 1595 residia em Olinda; e Rita Joana de Sousa (1595-1618), nascida e falecida em Olinda.
Um dos episódios mais importantes da história da pintura colonial brasileira é a presença, em Pernambuco, na primeira metade do século XVII, de um grupo de pintores holandeses, flamengos e alemães reunidos em torno de Maurício de Nassau. Embora o próprio Nassau haja escrito que tinha a sua disposição, no Brasil holandês, seis pintores, apenas dois são perfeitamente identificáveis: o paisagista Frans Post, autor de pequenas vistas de Olinda e outras cidades nordestinas, e Albert Eckhout, pintor de figuras e de naturezas-mortas, talvez as primeiras executadas em solo americano.
Muitos outros artistas -- alguns de presença comprovada, outros de permanência curta ou hipotética no Brasil -- terão eventualmente executado pinturas. Dos que trabalharam para Nassau, ou para a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, destacam-se: Jorge Marcgrave, autor das ilustrações da Historia naturalis Brasiliae; Zacharias Wagener, que traçou as ilustrações do Zoobiblion -- Livro de animais do Brasil; e Johan Nieuhof, autor e ilustrador da Memorável viagem.
Os pintores de Nassau foram os primeiros a abordar assuntos não-religiosos, num nível de elaboração artística até então desconhecido no Brasil, mas constituem grupo isolado, já que não tiveram discípulos ou continuadores. A evolução da pintura colonial brasileira deu-se em outra direção, fiel aos postulados herdados da metrópole. Materializou-se em obras agrupadas em quatro escolas: pernambucana, baiana, fluminense e mineira, com centros de menor importância no Pará e em São Paulo.
Escola pernambucana
Embora o surto inicial tenha ocorrido em fins do século XVI, somente no século XVIII a escola pernambucana alcançou seu apogeu, com a obra de artistas como Canuto da Silva Tavares; João de Deus Sepúlveda, tido como o maior artista pernambucano de todo o período colonial, que entre 1764 e 1768 executou a pintura do teto da igreja de São Pedro dos Clérigos; e José Elói e Francisco Bezerra, que trabalharam nas pinturas do mosteiro de São Bento em Olinda.
Escola baiana. A tradição dá Eusébio de Matos, morto em 1694, como o primeiro pintor nascido na Bahia, mas nenhuma obra de sua autoria subsistiu. O verdadeiro fundador da escola baiana é José Joaquim da Rocha, que estudou em Lisboa e Roma e executou, entre outras obras, o teto da igreja da Conceição da Praia, em Salvador.
Discípulo seu foi José Teófilo de Jesus, que se aperfeiçoou na Europa e realizou trabalhos na Ordem Terceira de São Francisco, em Salvador, bem como a "Glorificação de Nossa Senhora", na igreja do Carmo, na mesma cidade. Também discípulo de José Joaquim da Rocha foi Antônio Joaquim Franco Velasco, pintor de temas religiosos, retratista e mestre de desenho, a quem coube por sua vez iniciar Bento José Rufino da Silva Capinam, pintor de panoramas e litógrafo, e José Rodrigues Nunes, retratista.
Escola fluminense
Em qualidade e quantidade, a escola fluminense é talvez a mais importante das quatro escolas de pintura colonial, tendo sido iniciada por frei Ricardo do Pilar, religioso alemão cujas obras podem ser admiradas no mosteiro de São Bento, no Rio de Janeiro.
Outros componentes dessa escola são José de Oliveira Rosa, autor da pintura do teto do salão-mor do palácio dos vice-reis, representando "O gênio da América" (destruída), e do teto da capela-mor da igreja das carmelitas. Foi mestre de João de Sousa, autor de temas religiosos e retratos, e de João Francisco Muzzi, cenógrafo, autor dos dois quadros do "Incêndio" e da "Reconstrução da igreja e recolhimento de Nossa Senhora do Parto"; Caetano da Costa Coelho, talvez nascido em Portugal, autor da pintura do teto da capela-mor da igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, no Rio de Janeiro, considerada a mais antiga pintura perspectivista executada no Brasil; Manuel da Cunha, nascido escravo, aluno de João de Sousa, autor de temas religiosos e de retratos; frei Francisco Solano Benjamin, pintor de painéis religiosos no convento de Santo Antônio, no Rio de Janeiro, e de retratos; Leandro Joaquim, paisagista e retratista, além de cenógrafo ("Procissão marítima no hospital dos lázaros", Museu Histórico Nacional); Manuel Dias de Oliveira, cognominado o Brasiliense ou o Romano, que estudou em Portugal e em Roma, permanecendo por dez anos na Europa, autor de naturezas-mortas, miniaturas e pinturas religiosas ("Nossa Senhora da Conceição", Museu Nacional de Belas-Artes); José Leandro de Carvalho, pintor da corte na época da chegada da família real portuguesa ao Brasil, autor de alegorias e retratos como o "D. João VI" do convento de Santo Antônio; Raimundo da Costa e Silva, pintor religioso e retratista; e Francisco Pedro do Amaral, chefe de decorações da casa imperial após a independência e autor da ornamentação em diversas salas da quinta da Boa Vista.
Escola mineira
Além de bom número de pintores anônimos, destacam-se, entre os artistas coloniais mineiros, José Soares de Araújo, português, autor da pintura do teto da nave da igreja do Carmo, em Diamantina; João Nepomuceno Correia e Castro, que executou pinturas do santuário de Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas; e Manuel da Costa Ataíde, talvez o maior pintor brasileiro do período colonial, cuja produção pode ser admirada em igrejas de Ouro Preto, Santa Bárbara, Mariana e outras cidades mineiras, cuja obra-prima é a "Santa ceia", de 1828.
Missão artística francesa
Em março de 1816 chegaram ao Brasil os artistas e artesãos que D. João VI contratara na França por sugestão do conde da Barca. Chefiada por Joachim Lebreton, a missão artística francesa, que tinha por objetivo principal a organização de uma escola de artes e ofícios no Rio de Janeiro, iria dar novos rumos à arte brasileira.
Os pintores que a integravam eram Nicolas Antoine Taunay, seu filho Félix Émile Taunay e Jean-Baptiste Debret. Dos três, Nicolas Antoine Taunay era o mais importante, adepto do neoclassicismo de David, mas poderoso colorista, cujas paisagens do Rio de Janeiro ("O morro de Santo Antônio", Museu Nacional de Belas-Artes) e retratos valem mais do que suas cenas de gênero e alegorias, cenas de batalhas e quadros bíblicos.
Debret, discípulo de David, foi retratista e pintor de história de menor fôlego ("Desembarque de D. Leopoldina", Museu Nacional de Belas-Artes), mas se notabilizou pelas ilustrações de cenas e costumes brasileiros da Viagem pitoresca e histórica ao Brasil (1834-1839), que só encontram paralelo nas estampas, no mesmo gênero, de Johann Moritz Rugendas, artista alemão ativo no Rio de Janeiro entre 1821 e 1835, autor de Viagem pitoresca através do Brasil. Félix Taunay, pintor de história e paisagista, teve maior importância como diretor da Academia de Belas-Artes, na qual criou, em 1840, as exposições gerais anuais, a pinacoteca e, após 1845, os prêmios de viagem à Europa. Participaram também da missão Lebreton o arquiteto Grandjean de Montigny, o escultor Auguste Marie Taunay e o gravador Charles Simon Pradier.
O ensino ministrado pelos artistas franceses tiraria o Brasil do estágio artístico defasado em que se achava, para nele introduzir um neoclassicismo então de vanguarda. Essa tendência, no entanto, já continha os germes do formalismo que terminaria em breve por condená-la. O estudo do modelo vivo, a supremacia do desenho e a importância do tema "nobre" -- religioso, histórico ou mitológico -- fizeram então sua aparição na arte nacional.
O primeiro diretor da Academia foi Henrique José da Silva, natural de Portugal e bom pintor de retratos. Português era também Simplício Rodrigues de Sá, pintor de história e de gênero ("Irmão pedinte", Museu Nacional de Belas-Artes), que substituiu o anterior como professor de pintura histórica na Academia. Frutos do ensino acadêmico foram August Müller, nascido na Alemanha, retratista, paisagista e pintor de história; Manuel de Araújo Porto Alegre, discípulo de Debret; e sobretudo Agostinho José da Mota, paisagista e autor de naturezas-mortas.
Citem-se ainda numerosos artistas estrangeiros ativos no Rio de Janeiro em meados do século XIX, como Claude-Joseph Barandier; Abraham Louis Buvelot; Ferdinand Krumholz, excepcional retratista; Alessandro Cicarelli; Nicolau Antônio Facchinetti, grande paisagista; Henri Nicolas Vinet, aluno de Corot; e Augustus Earle. Mesmo Manet e Gauguin estiveram no Brasil, mais ou menos por essa época.
Expoentes do academicismo
À segunda geração acadêmica, que desabrochou após 1850, pertencem alguns dos mais importantes pintores do Brasil, como Vítor Meireles de Lima, Pedro Américo de Figueiredo e Melo e João Zeferino da Costa, além de nomes de menor projeção, como Antônio Araújo de Sousa Lobo e Arsênio Cintra da Silva.
Vítor Meireles, que se aperfeiçoou em Roma e Paris, foi pintor de batalhas e de história ("Primeira missa no Brasil" e "Batalha dos Guararapes", Museu Nacional de Belas-Artes). Seguro de desenho e de composição, era, porém, frio colorista. Como professor, coube-lhe iniciar numerosos jovens, alguns transformados mais tarde em excelentes pintores.
Pedro Américo forma com Vítor Meireles o par de pintores mais conhecido do Brasil oitocentista. Sua arte é caracterizada por excelente desenho e elaborada composição, mas se revela às vezes pobre em emoção ("Batalha do Avaí", "A carioca" e "Judite e Holofernes", Museu Nacional de Belas-Artes).
João Zeferino da Costa, bolsista em Roma, onde pintou suas obras mais célebres ("O óbolo da viúva" e "A caridade", ambas no Museu Nacional de Belas-Artes), notabilizou-se como autor das decorações da igreja da Candelária, no Rio de Janeiro. Também professor, iniciou diversos artistas, como Batista da Costa, Henrique Bernardelli e Castagneto, os quais formariam, com outros, a terceira geração acadêmica, que desabrochou em fins do século XIX e início do século XX. Os artistas José Ferraz de Almeida Júnior, Décio Vilares, Rodolfo Amoedo e Eliseu Visconti, entre outros, situam-se entre os principais expoentes dessa geração.
José Ferraz de Almeida Júnior foi dos primeiros brasileiros a consagrar em suas telas uma temática nacional, e por isso apontado pelos modernistas de 1922 como um de seus precursores ("Descanso do modelo" e "Caipiras negaceando", Museu Nacional de Belas-Artes). Por essas obras de tema regional, a crítica o considera o primeiro realista brasileiro.
Décio Rodrigues Vilares, aluno de Cabanel em Paris, é autor de retratos, alegorias e deliciosas paisagens de minúsculas dimensões. Rodolfo Amoedo, discípulo de Vítor Meireles, Cabanel, Baudry e Puvis de Chavannes, oscilou entre o academicismo mais empedernido e o romantismo tardio, deixando obras como "A narração de Filetas" e "Marabá" (Museu Nacional de Belas-Artes). Pedro Weingartner, gaúcho de origem alemã, distinguiu-se por suas paisagens e cenas de costumes. Aurélio de Figueiredo é autor de "O baile da ilha Fiscal" (Museu Histórico Nacional).
Antônio Parreiras, paisagista de méritos que estudou com o alemão Jorge Grimm, foi o primeiro a praticar no Brasil a pintura ao ar livre. Belmiro Barbosa de Almeida, também escultor, radicou-se em Paris e aproximou-se por vezes do impressionismo ("Dame à la rose", Museu Nacional de Belas-Artes). Oscar Pereira da Silva, pintor de história, estudou em Paris com Gerôme e Bonnat. João Batista Castagneto, italiano chegado ao Brasil com três anos, estudou com Grimm e é o melhor marinhista brasileiro do século XIX. João Batista da Costa foi o primeiro a tratar a paisagem brasileira como assunto autônomo, embora ainda preso a postulados acadêmicos. Henrique Bernardelli destacou-se como pintor decorativista; Pedro Alexandrino Borges, como autor de naturezas-mortas; e Gustavo dall'Ara, como pintor de cenas urbanas cariocas.
O maior pintor brasileiro da passagem do século foi Eliseo d'Angelo Visconti. Elo entre a estética do século XIX e a do século XX, Visconti cultivou todos os gêneros, notabilizando-se como paisagista, retratista e decorativista ("Gioventù", Museu Nacional de Belas-Artes, e decorações do Teatro Municipal do Rio de Janeiro). Algumas de suas últimas obras, como "Revoada de pombos" (no mesmo museu), aproximaram-no do impressionismo quase abstrato, característico também da última fase de Monet.
Outros artistas do início do século XX são Henrique Alvim Correia, pintor de batalhas; Helios Seelinger, que sentiu a influência do simbolismo e do art nouveau; Carlos Oswald, Rodolfo e Carlos Chambelland, Eugênio Latour, Lucílio de Albuquerque, João e Artur Timóteo da Costa, Augusto José Marques Júnior, Georgina de Albuquerque e Henrique Cavaleiro. Sob certos aspectos, alguns deles podem ser considerados precursores do modernismo.
Semana de Arte Moderna
A primeira exposição de pintura moderna realizada no Brasil ocorreu em 1913, em São Paulo. O expositor era Lasar Segall, nascido na Lituânia mas ligado aos movimentos vanguardistas alemães. Segall, que terminaria adotando a cidadania brasileira, é um expressionista germânico, cujas séries mais importantes evocam o drama do povo judeu, ao qual pertencia, e os horrores da guerra ("Navio de emigrantes", Museu Segall). É considerado um dos maiores pintores que trabalharam no Brasil.
A mostra de Segall em 1913 não provocou reações. A de Anita Malfatti, realizada também em São Paulo, em 1917, gerou, ao contrário, o protesto de Monteiro Lobato, que no artigo "Mistificação ou paranóia" acusou a jovem pintora de insinceridade ou desequilíbrio mental. Após essa crítica, Malfatti recuou de sua posição vanguardista, passando a praticar uma arte mais comportada e de acordo com postulados tradicionais. Ainda assim, sua exposição é tida como o autêntico estopim do modernismo.
Poucos anos depois, um grupo de artistas e escritores levou a efeito, no Teatro Municipal de São Paulo, a Semana de Arte Moderna de 1922. Di Cavalcanti e Vicente do Rego Monteiro eram os principais pintores presentes, com menção ainda para a própria Anita Malfatti; o suíço John Graz, que chegara a São Paulo em 1920, e a mineira Zina Aita, que estudara em Florença. Faziam também parte do grupo o desenhista e gravador Osvaldo Goeldi e os escultores Vítor Brecheret, Hildegardo Leão Veloso e Wilhelm Haarberg. Outros dois criadores, Antônio Garcia Moya e Georg Przyrembel, compareceram com projetos arquitetônicos.
A intenção geral era antiacadêmica, mas a mostra apresentava obras de tendências diversas, inclinando-se para o expressionismo, o art nouveau e o pós-impressionismo, classificadas pelo público e a imprensa em geral como futuristas.
Emiliano Di Cavalcanti, o maior idealizador da Semana, que ocorreu de 11 a 18 de fevereiro de 1922, pintou sobretudo figuras e paisagens. Sensível à influência de Picasso e dos muralistas mexicanos, criou depois um estilo bem pessoal, no qual demonstra um temperamento sensual e lírico. Pintor das mulatas e do carnaval carioca, dentro de uma veia expressionista caracterizada por intenso cromatismo, fez em 1931 o primeiro painel moderno do Brasil: as decorações do teatro João Caetano, no Rio de Janeiro.
Vicente do Rego Monteiro praticou a pintura alternadamente com a poesia, abandonando por longos anos a primeira para a ela voltar no fim da vida. Influenciado por Juan Gris, chegou a um estilo tipicamente art déco, no qual se mesclaram influências arcaicas, pré-colombianas e egípcias.
Sem participar da Semana de Arte Moderna, mas considerados pioneiros da arte moderna no Brasil, citam-se ainda Ismael Néri, personalidade das mais originais, pintor expressionista e, em algumas obras, tocado pelo surrealismo; Tarsila do Amaral, que adaptou o cubismo de Léger à realidade brasileira e deu início aos movimentos Pau-Brasil (1924) e antropofágico (1928), de índole nacionalista, baseados em motivos tradicionais do Brasil suburbano e rural, tornando-se particularmente importante com suas obras de temática social, como "Trem de segunda classe" e "Operários"; Cícero Dias, espécie de Chagall tropical em suas primeiras obras, que mais tarde aderiu ao abstracionismo para afinal retornar à temática figurativa do início de sua carreira; Antônio Gomide, que após prolongada formação européia levou para São Paulo a influência cubista de Picasso e Braque; Joaquim do Rego Monteiro, falecido muito jovem em Paris; Alfredo Volpi, que atravessou fases impressionista, expressionista e concreta, antes de fixar-se na valorização da textura e do cromatismo; e Alberto da Veiga Guignard, paisagista das cidades históricas de Minas Gerais, retratista e pintor de gênero.
Portinari e a fixação do modernismo
Com Cândido Portinari, a arte moderna impôs-se definitivamente no Brasil. Aluno de Rodolfo Amoedo e Lucílio de Albuquerque na Escola Nacional de Belas-Artes, Portinari ganhou em 1928 o primeiro prêmio de pintura no Salão Nacional de Belas-Artes, com um retrato de inspiração acadêmica. Após dois anos na Europa, voltou ao Brasil praticando uma arte de cunho moderno, expressionista e dramática.
O quadro "Café" (1935), hoje no Museu Nacional de Belas-Artes, foi premiado nos Estados Unidos, projetando o nome de seu autor no cenário nacional e internacional. Vieram em seguida as decorações para o Ministério da Educação, no Rio de Janeiro (1936-1945), projetado sob risco original de Le Corbusier, que o transformaram no símbolo da pintura moderna no Brasil. Retratista, pintor de temas religiosos e sociais ("Enterro na rede", Museu de Arte de São Paulo), Portinari é sob muitos aspectos o maior nome da pintura brasileira. Sua influência sobre as gerações posteriores foi enorme, tendo repercutido, por exemplo, em artistas como Tomás Santa Rosa, Clóvis Graciano e Enrico Bianco. Em semelhante linha temática desenvolveu-se também a pintura de Orlando Teruz.
Outros pintores brasileiros surgidos depois de Portinari sobressaíram pela articulação de linguagens de cunho bem pessoal, garantindo graças a isso lugares indisputáveis na produção do século XX. Entre eles, merecem ser citados: José Pancetti, marinhista de nível extraordinário; Djanira, que abordou cenas rurais e folclóricas com cores chapadas, numa visão limítrofe da chamada art naïf; Emeric Marcier, romeno de nascimento, voltado para temas religiosos, além de paisagens e retratos; Quirino Campofiorito e Eugênio de Proença Sigaud, cultores de temas sociais; Flávio de Resende Carvalho, também arquiteto, que se manteve fiel ao expressionismo; Iberê Camargo, ex-paisagista que, com sucessivos afastamentos da figura, chegou ao despojamento abstrato; e Carlos Scliar, autor de naturezas-mortas e paisagens em suaves combinações cromáticas de grande força expressiva.
Capítulo curioso, na história da pintura no Brasil, é o dos pintores primitivos, ingênuos ou instintivos, que passaram a despertar interesse à medida que as fronteiras do gosto se ampliavam pelas concepções modernistas. Citam-se entre os melhores e mais autênticos José Bernardo Cardoso Júnior, o Cardosinho; Heitor dos Prazeres, pintor dos morros cariocas; Paulo Pedro Leal, que pintou cenas de naufrágios e visões terríveis de guerra e destruição; e José Antônio da Silva, na origem um simples lavrador, que mostrou ser colorista notável ao enfocar aspectos da vida rural e enredos de sua própria existência.
Abstracionismo geométrico e tachismo
No começo da década de 1950, sob influência das idéias de Mondrian e, sobretudo, de Max Bill, um grupo de artistas jovens praticou uma arte extremamente depurada, utilizando formas geométricas simples e somente cores complementares, sem qualquer apelo ao desenho, à textura ou mesmo à expressão. Com essa linha de trabalho, entrou em cena o concretismo, cujos primeiros representantes foram Ivan Serpa, Almir Mavignier, Décio Vieira, Aluísio Carvão, Lígia Pape, Geraldo de Barros, Valdemar Cordeiro e Lígia Clark.
Organizado em 1954, o grupo sofreu uma cisão em 1957, que converteu-se no movimento neoconcreto do Rio de Janeiro, liderado pelo poeta Ferreira Gullar. O neoconcretismo buscava acrescentar expressão à fria concepção estética do concretismo, cujas coordenadas continuaram a vigorar em São Paulo.
Não-figurativos de tendência geométrica, que permaneceram à margem do concretismo e do neoconcretismo, afirmaram-se também, em fins da mesma década, artistas como Raimundo Nogueira, Maria Leontina e Milton Dacosta, que, tendo começado a carreira como paisagista, cedeu à influência da pintura metafísica, aderiu ao abstracionismo e adotou por fim um figurativismo dos mais originais, baseado em formas geometrizadas de Vênus e de pássaros.
Por volta de 1960, em reação aos excessos do abstracionismo de expressão geométrica e em sintonia com as correntes que já se impunham na Europa, numerosos pintores aderiram ao abstracionismo informal ou lírico e ao tachismo, estilos internacionais que propunham a libertação pela cor. À frente da tendência se achava o cearense Antônio Bandeira, que se radicara em Paris, onde fora companheiro de Wols. Dignos de menção, entre os que seguiram esse caminho, são também Manabu Mabe, Tikashi Fukushima, Tomie Ohtake e Kazuo Wakabayashi, destacados membros de um grupo de pintores nascidos no Japão ou de ascendência nipônica.
Muitos artistas que atravessaram na época uma fase abstrata, seguindo a voga internacional, evoluíram depois para estilos próprios e bem caracterizados. Citem-se como exemplos o gaúcho Glauco Rodrigues, que passou do tachismo ao eficiente tratamento de uma figuração irônica, e o polonês Franz Krajcberg, que em meados da década de 1960 passou a trabalhar com relevos à base de materiais naturais -- raízes, troncos, pedras -- realizando uma arte de inspiração ecológica, na qual pintura e escultura não raro iriam conjugar-se na mais perfeita fusão.
Arte conceitual e volta à pintura
Na década de 1970, a arte brasileira já se achava identificada com o que ocorria no restante do mundo, seguindo passo a passo as numerosas linguagens que se sucediam com velocidade crescente. Figuras como Hélio Oiticica e Lígia Clark, oriundas do movimento neoconcreto, passaram a ser valorizadas por suas transgressões e o desejo de ir além das artes formais, abrindo caminho para os happenings e manifestações análogas de expressão com o próprio corpo.
A pop art, criada nos Estados Unidos, mobilizou pintores como o paraibano Antônio Dias e o paulista Wesley Duke Lee. Por um caminho semelhante, no início de suas carreiras, enveredaram artistas que rejeitaram o abstracionismo puro e simples em proveito de uma nova objetividade, como Rubens Gerchman, Carlos Vergara, Roberto Magalhães e Antônio Henrique Amaral. Este resgatou, com tratamento hiper-realista, alguns dos temas já presentes no repertório dos modernistas de 1922.
Os movimentos de vanguarda, progressivamente orientados por tentativas de integração de diferentes técnicas, acabaram desembocando na arte conceitual, em que a idéia de criação se antepõe à própria obra criada. Nomes como Cildo Meireles e Valtércio Caldas, assumindo posturas conceituais, projetaram-se no país e no exterior, com obras em que a preocupação com a originalidade era sempre dominante. Distantes das posições de vanguarda, artistas como João Câmara, Reinaldo Fonseca e Siron Franco mantiveram-se fiéis à produção de quadros, revelando com freqüência uma entonação satírica nas composições com figuras.
Em 1980 e nos anos seguintes, o surgimento de uma nova safra de talentos, a chamada geração 80, composta em sua maioria por discípulos do pintor Luís Áquila, acompanhou-se de uma reflexão crítica que propunha a volta à pintura, depois de todas as negações e avanços, como a melhor saída para o impasse a que a arte havia chegado. A pintura brasileira, a essa altura, mostrava uma ampla convivência de todas as opções essenciais definidas desde meados do século: a expressão figurativa, de cunho mais tradicional, ao lado do abstracionismo geométrico e dos diversos matizes da abstração informal.
Escultura
Além de uma interessante cerâmica de fins utilitários, os índios também faziam bonecos, de barro ou de madeira, em geral pintados. A cerâmica da ilha de Marajó e a terracota carajá da ilha do Bananal são particularmente estimadas. Os negros escravos fabricavam fetiches e ex-votos. As pequenas esculturas barrocas trazidas pelos portugueses foram copiadas, iniciando-se com isso a produção de imagens de santos, até hoje em curso, de inspiração ibérica.
Os primeiros escultores de formação estiveram ativos em igrejas e mosteiros, como o de São Bento, no Rio de Janeiro, em cujas obras se distinguiram frei Domingos da Conceição, José da Conceição e Simão da Cunha. O maior desses escultores religiosos foi o português Agostinho da Piedade, monge beneditino morto em 1661, cuja arte se enquadra na tradição peninsular. Com ele aprendeu Agostinho de Jesus, já nascido no Brasil. Cumpre mencionar ainda o trabalho dos mestres entalhadores do século XVIII, entre os quais foram identificados Manuel de Brito, José Coelho de Noronha e Francisco Vieira Servas.
O grande escultor e arquiteto do Brasil colonial foi o mineiro Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, cuja atividade cobriu, a partir de 1760, um período de mais de cinqüenta anos. Nas figuras em pedra-sabão dos doze profetas no adro do santuário de Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, sua arte chegou a um nível nunca alcançado no Brasil. Seu contemporâneo Valentim da Fonseca e Silva, dito mestre Valentim, fez também obra memorável, modificando a paisagem urbana do Rio de Janeiro e criando para o Passeio Público pirâmides, terraços, estátuas e pinhas.
Com a missão artística francesa de 1816 veio para o Brasil o escultor Augusto Maria Taunay, que gozava de certo prestígio na Europa, e logo foi seguido pelos irmãos Marc e Zéphyrin Ferrez, também franceses, que em 1818 participaram da ornamentação dos novos prédios erguidos no Rio de Janeiro para as comemorações da coroação de D. João VI. Marc Ferrez figurou nas primeiras exposições realizadas no Brasil, por iniciativa de Debret, em 1829 e 1830, e tornou-se catedrático da Academia Imperial de Belas-Artes em 1837. Executou diversos bustos em bronze, entre os quais destaca-se o de D. Pedro I (hoje no Museu Nacional de Belas-Artes). É autor dos baixos-relevos do palacete da marquesa de Santos, no Rio de Janeiro, e, com o irmão Zéphyrin, das esculturas do frontão da Academia.
Rodolfo Bernardelli, o maior escultor brasileiro do século XIX, realizou, entre outras obras, os monumentos ao duque de Caxias e ao general Osório, no Rio de Janeiro; o mausoléu de D. Pedro II, em Petrópolis; e a estátua de Castro Alves, em Salvador. Com ele, o neoclassicismo se impôs e se esgotou no país.
O primeiro escultor modernista é Vítor Brecheret, que depois de tomar parte na Semana de Arte Moderna de 1922 evoluiu para os limites do não-figurativo, sem chegar no entanto ao abstrato puro. Dois escultores estrangeiros, o italiano Ernesto de Fiori e o polonês August Zamoyski, radicados no Brasil na década de 1940, contribuíram para a formação de jovens artistas e a pesquisa de novas formas. O austríaco Franz Weissmann, discípulo de Zamoyski, colaborou com Guignard na fundação da Escola de Belas-Artes de Belo Horizonte.
Na fase de fixação do modernismo, em que o escultor mais importante e influente foi sem dúvida Bruno Giorgi, destacaram-se igualmente Maria Martins, Alfredo Ceschiatti e Francisco Stockinger. Menção à parte deve ser feita a Celso Antônio, aluno de Bourdelle e de Bernardelli, autor do "Monumento do café" em Campinas SP.
O advento da escultura abstrata, quer de índole geométrica, quer informal, acompanhou a evolução da pintura e data igualmente de meados do século XX. Às intenções não representativas e cada vez mais despojadas somaram-se desde então a pesquisa e o aproveitamento de materiais incomuns. Pelas inovações apresentadas em seus trabalhos, assumiram grande importância, nessa fase, artistas como Sérgio de Camargo, autor de relevos em madeira cortada e reduzida aos sólidos fundamentais (cilindro, cone, esfera); Mary Vieira, aluna de Max Bill, autora de esculturas com partes móveis e de curiosas formas espiraladas eletro-rotatórias; Amílcar de Castro e Lígia Clark, representantes da vertente concretista; Maurício Salgueiro, que fez montagens com peças de ferro velho; Mário Cravo Júnior, cuja obra de espírito expressionista alude às vezes a motivos do folclore baiano; e Abraham Palatinik, criador de relevos progressivos e do aparelho cinecromático, que projeta imagens coloridas e abstratas em permanente mutação.
Gravura
O gravador Charles Simon Pradier, membro da missão artística francesa de 1816, ficou no Brasil até 1818 e gravou muitas das estampas da Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, de seu colega Jean-Baptiste Debret. Este, juntamente com o alemão Johann Moritz Rugendas e o austríaco Thomas Ender são os mais ilustres dos estrangeiros que passaram pelo Brasil ou nele se fixaram no século XIX, dedicando-se com especial interesse ao desenho e à gravura.
Antes mesmo dessa época, no entanto, a gravura já fora praticada, em Vila Rica (atual Ouro Preto MG), pelo padre José Joaquim Viegas de Meneses. Mais tarde, na Impressão Régia, trabalharam os portugueses Romão Elói Casado e Paulo dos Santos Ferreira. A aula pública de gravura, no entanto, só foi criada em 1837, com Zéphyrin Ferrez como professor.
A litografia, também nas primeiras décadas do século XIX, contou com alguns cultores isolados, como Armand Julien Pallière, no Rio de Janeiro, e Hercule Florence, em São Paulo. No Rio, a primeira oficina litográfica comercial foi a de Louis-Aléxis Boulanger e Carlo Risso (1829-1830). Charles Rivière também montou ateliê no Rio, especializando-se em retratos; a eles se associou um brasileiro, Frederico Guilherme Briggs, autor de famosa série sobre tipos populares cariocas. Sébastien Auguste Sisson, ativo no Rio desde 1852, criou a primeira história em quadrinhos (1855) e a Galeria de brasileiros ilustres, com noventa pranchas litografadas entre 1859 e 1861.
O primeiro gravador em madeira identificado foi o português Alfredo Pinheiro, com oficina no Rio de Janeiro desde o começo da década de 1870. A xilogravura chegou à maturidade com os trabalhos de Modesto Brocos y Gómez, popularizados pelo jornal O Mequetrefe. Paralelamente, dois artistas expatriados fizeram obra independente na Europa: Henrique Alvim Correia (Paris, Bruxelas) e Carlos Oswald (Florença). Alvim Correia ilustrou, em 1906, uma edição belga do livro A guerra dos mundos, de H. G. Wells, com estampas de caráter expressionista. Foi assim o primeiro de uma linhagem de gravadores voltados para o fantástico, a que se filiariam nomes como Raul Pedrosa e Darel, que teve expressão maior no magnífico bestiário de Marcelo Grassmann.
Carlos Oswald integrou a formação clássica às formas do impressionismo. Seu discípulo e continuador Orlando da Silva foi um dos mestres de Roberto Delamonica; seu filho e homônimo, várias vezes premiado no Salão Nacional de Belas-Artes, muito contribuiu para a formação de diversos artistas.
O modernismo chegou ao Brasil com Lasar Segall, em 1913. Ligado ao expressionismo alemão, foi ele o primeiro gravador brasileiro moderno (ilustração para Mangue, de Benjamin Costallat). Osvaldo Goeldi, que participou da Semana de Arte Moderna de 1922, fez obra pessoal, extensa, marcada pela densidade e certa morbidez. Influenciado pelo austríaco Alfred Kubin, influenciaria por sua vez, direta ou indiretamente, Newton Cavalcanti, Adir Botelho, Gilvan Samico, Iara Tupinambá e o próprio Grassmann.
Outro mestre é Lívio Abramo, que fundou em Assunção o Taller de Grabado Julian de la Herreria (1957) e, em São Paulo, o Estúdio Gravura (1960), com Maria Bonomi, exímia gravadora nascida na Itália e radicada no Brasil desde 1944.
Igualmente fecunda, no Brasil, foi a atividade dos artistas estrangeiros Axel de Leskoschek e Johnny Friedlander. O primeiro, refugiado do nazismo, foi professor de Fayga Ostrower, Ivan Serpa, Renina Katz e Edith Behring. Friedlander ministrou o curso inaugural do ateliê de gravura do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (1959), por onde passariam, nos anos seguintes, Ana Bela Geiger, Ana Letícia Quadros, Isabel Pons, Delamonica, Rossini Perez, José Lima e Marília Rodrigues.
Um dos grandes representantes da abstração lírica, Iberê Camargo, teve também relevante atuação didática na década de 1950. Do mesmo período é a atividade independente do grupo gaúcho (Porto Alegre, Bajé) reunido em torno de Carlos Scliar. Dele fizeram parte Vasco Prado, Glauco Rodrigues, Danúbio Gonçalves e Glênio Bianchetti.
Do mesmo modo que Iberê ou Scliar, a maioria dos pintores brasileiros consagrados na tradição moderna, como Tarsila, Portinari, Djanira ou Dacosta, também se dedicou à gravura com maior ou menor intensidade. A produção do século XX, longe de restringir-se aos grandes centros, disseminou-se pouco a pouco pelos estados, revelando gravadores ativos na Bahia, como Caribé ou Emanoel Araújo, ou em Minas Gerais, como Vilma Martins, Marília Andrés ou Lótus Lobo. Entre os gravadores de extração popular cabe mencionar os autores anônimos da xilogravura ingênua do Nordeste, feita para ilustrar a literatura de cordel.
www.megatimes.com.br
www.geografiatotal.com.br
www.klimanaturali.org