Crise na Espanha e o Separatismo na Catalunha
A Espanha não é a Espanha: os portugueses, seus vizinhos é
dela súditos por algum tempo, referem-se ao resto da Península como as Espanhas. Ainda que o nome do país
venha do tempo em que ainda o ocupavam os cartagineses, nunca houve no
território unidade cultural e política, a não ser pela força. A Espanha é um
mau arranjo histórico. Até onde vai o conhecimento do passado, o povo que a
ocupa há mais tempo é o basco. O orgulhoso nacionalismo basco proclama que sua
gente sempre esteve ali, como se houvesse brotado do chão, mas a antropologia
histórica contesta a hipótese. De algum lugar vieram os bascos, provavelmente
da África, como os demais europeus.
A Espanha foi ocupada por todos os povos do Mediterrâneo, e
alguns deles nela estabeleceram colônias que mantiveram, durante todos os
séculos, sua identidade primordial. É esse o caso dos catalães. Colônia fenícia,
em seu tempo, a Catalunha vem lutando, desde o século 17, para recuperar sua
independência. Um dos episódios mais fortes desse movimento foi a Guerra Civil
de 1640. Iniciada por camponeses (a rebelião dos segadores), ela se tornou movimento
de independência nacional só derrotado doze anos mais tarde. Os catalães não se
consideram “espanhóis”, como tampouco assim se consideram os bascos, os
galegos, os asturianos e os andaluzes. O predomínio de Castela, depois de sua
união com o reino de Aragão, no fim do século 15, tem sido frequentemente
contestado.
Mais recentemente, em 1913, os catalães obtiveram seu
primeiro estatuto de autonomia, principalmente em questões orçamentárias, mas
essa concessão lhes foi revogada pela Ditadura de Primo de Rivera, em 1925. Em
1931, com a vitória da esquerda republicana nas eleições municipais, a Catalunha
se proclamou república independente, mas, em solidariedade com os republicanos
do resto da Espanha, adiou sua plena autonomia, diante das dificuldades políticas
que levariam à Guerra Civil de 1936.
Com a vitória de Franco, a repressão aos movimentos de
autonomia, particularmente os da Catalunha e dos Países Bascos, foi de
aterrorizadora brutalidade.
O momento é propício para a reivindicação dos catalães. A
Espanha entrou em uma crise econômica de difícil saída, por ter — fosse com os
conservadores, fosse com os socialistas de faz de conta — privilegiado o grande
capital, que preferiu investir na América Latina a promover o desenvolvimento
do próprio país e a criação de empregos.
Multidão fazem a marcha em favor da independência da Catalunha nas ruas de Barcelona |
A razão era a normal do capitalismo: os lucros em nossos
países são maiores, porque os salários e as obrigações trabalhistas são menores.
Ao mesmo tempo, sem o controle sobre a remessa de lucros, o nosso continente é-lhes
o paraíso. Mesmo assim, a arrogante Espanha, por ter promovido a desigualdade
social e malgastado os recursos obtidos da União Europeia, ao serviço dos
banqueiros, encontra-se hoje de chapéu na mão diante da ainda mais arrogante
Ângela Merkel, que comanda, hoje, o FMI e o Banco Central Europeu.
A situação internacional, sendo instável, particularmente na
Europa, coloca os espanhóis na defensiva e acelera o movimento centrífugo, já
antigo. Há, mesmo, uma tendência para que a união dos estados europeus seja
substituída por uma “união de povos europeus”. Pensadores bascos têm insistido
nesta tese.
Ontem, o líder do PSOE, Alfredo Perez Rubalcaba, propôs uma
solução inteligente para resolver não só o caso da Catalunha como o de todas
as outras nacionalidades que orbitam em torno de Madri: a construção de um
estado federativo.
Os conservadores levantaram-se contra e é esperada uma
manifestação dura do rei, e com sua própria razão: no caso da Espanha será
difícil uma federação sem república, e a monarquia dos Bourbon começa a claudicar,
com a desmoralização da família real, metida em escândalos e em desvio de
recursos públicos.
Não obstante essa presumível reação, será o melhor caminho:
uma reforma constitucional negociada — e rapidamente, tendo em vista a situação
geral do país e da Europa — para que as atuais “autonomias regionais” se
convertam em unidades federadas, com o máximo de soberania nacional em um
estado republicano. Tanto quanto a autonomia administrativa e financeira, esses
povos reclamam respeito à sua cultura e à sua dignidade histórica.
Enquanto isso, o Parlamento da Catalunha caminha para
realizar a histórica consulta ao seu povo — se deseja, ou não, tornar-se uma
nação independente. Se a Catalunha disser “sim”, será difícil à Espanha
repetir, hoje, o que fez Filipe IV, da Espanha, e subjugar militarmente os
catalães — sem que haja uma comoção europeia. Os tempos são outros, embora se
pareçam muito aos anos 30 — os de Franco, Hitler e Mussolini.