Globalização e a Mundialização do Capitalismo
Fatos históricos marcantes ocorridos entre o final da década de 1980 e o início da de 1990 determinaram um processo de rápidas mudanças políticas e econômicas no mundo. Até mesmo os analistas e cientistas políticos internacionais foram surpreendidos pelos acontecimentos:
·
A queda do Muro
de Berlim em 1989;
·
O fim da Guerra
Fria;
·
O fim do
socialismo real;
·
A desintegração
da União Soviética, em dezembro de 1991, e seu desdobramento em novos Estados
Soberanos (Ucrânia, Rússia, Lituânia etc.);
·
A explosão étnica
ou das nacionalidades em vários lugares, acompanhada da guerra civil: antiga
Iugoslávia, Geórgia, Chechênia etc.;
·
O fim da política
do apartheid e a eleição de Nelson Mandela para presidente, na África do
Sul;
·
O acordo de paz
entre Israel, OLP (organização para libertação da Palestina) e Jordânia;
·
A formação de
blocos econômicos regionais (União Europeia, Nafta, Mercosul, etc.);
·
O grande
crescimento econômico de alguns países asiáticos (Japão, Taiwan, China,
HongKong, Cingapura), levando a crer que constituirão a região mais rica do
Século XXI;
·
O fortalecimento
do capitalismo em sua atual forma, ou seja, o neoliberalismo;
·
O grande
desenvolvimento científicos e tecnológico ou Terceira Revolução Industrial ou
Tecnológica.
Até
praticamente 1989, ano da queda do Muro de Berlim, o mundo vivia na clima da
Guerra Fria. De um lado, havia o bloco de países capitalista, comandados pelo
Estados Unidos , de outro, o de países socialistas, liderado pela ex-União
Soviética, configurando uma ordem mundial bipolar ou um sistema de
polaridades definidas.
A
reformas iniciadas por Gorbatchev,, na ex-União Soviética, em 1985, através da perestroika
e da glasnost, foram pouco a pouco minando o socialismo real e,
consequentemente, essa ordem mundial bipolar. A queda do Muro de Berlim, com a
reunificação da Alemanha, a eleição de Lech Walesa (líder do partido
Solidariedade) para a presidência da Polônia, em 1990, que representou o
término do domínio a absoluto do Partido Operário Unificado Polonês sobre a
sociedade polonesa , e muitos outros acontecimentos do Leste Europeu alteraram
profundamente o sistema de forças até então existente no mundo.
De
um sistema de polaridades definidas passou-se, então, para um sistema
de polaridades indefinidas ou para a multipolarização econômica do
mundo. O confronto ideológico (capitalismo versus socialismo real)
passou-se para a disputa econômica entre países e blocos de países.
O
beneficiário dessa mudança, historicamente rápida, que deixou muitas pessoas
perplexas por imprevisibilidade a curto prazo, foi o sistema capitalista, que
pôde expandir-se praticamente hegemônico na organização da vida social em todas
as suas esferas (política, econômica e cultural). Assis, o capitalismo
mundializou-se, globalizou-se e universalizou-se, invadiu os espaços
geográficos que até então se encontravam sob o regime de economia centralmente
planificada ou nos quais ainda se pensava poder viver a experiência socialista.
Nas
palavras de Otávio Ianni, sociólogo brasileiro que já há algum tempo vem
estudando a questão da globalização:
"O capitalismo tinge uma escala propriamente global. Além das suas
expressões nacionais, bem como dos sistemas e blocos articulando regiões e
nações países dominantes e dependentes, começa a ganhar perfil mais nítido o
caráter global do capitalismo. Declinam os estados-nações, tanto os dependentes
como os dominantes. As próprias metrópoles declinam, em benefício de centros
decisórios dispersos em empresas e conglomerados {..{."(Otávio Ianni, A
sociedade global, p. 39.)
A
globalização não é um acontecimento recente. Ela se iniciou já nos séculos XV e
XVI, com a expansão marítimo-comercial europeia, consequentemente a do próprio
capitalismo e continuou nos séculos seguintes. O que diferencia aquela
globalização ou mundialização da atual é a velocidade e abrangência de seu
processo, muito maior hoje. Mas o que chama a atenção na atual é sobretudo o
fato de generalizar-se em vista da falência do socialismo real. De repente, o
mundo tornou-se capitalista e globalizado.
As
características da globalização podem ser assim resumidas:
·
Internacionalização
da produção;
·
Internacionalização
ou globalização das finanças;
·
Alteração na
divisão internacional do trabalho, ou, antes, criação de uma nova divisão de
trabalho dentro das próprias empresas transnacionais, e que a distribuição das
funções produtivas não se encontra mais concentrada num único país, mas
espalhadas por vários países e continentes (por exemplo, um país fabrica um
componente do produto, um segundo fabrica outro, um terceiro faz a montagem,
enquanto o centro financeiro e contábil da empresa está sediado num quarto
país);
·
O grande
movimento migratório do hemisfério sul para o norte;
·
A questão
ambiental e a sua importância nas discussões internacionais;
·
O estado passa de
protetor das economias nacionais e provedor do bem-estar social, a adaptar-se à
economia mundial ou às transformações do mundo que ela própria e a exaltação do
livre mercado provocam;
Nesse
quadro de globalização, hoje, as empresas transnacionais:
·
Atuam em vários
países ao mesmo tempo;
·
Compram a melhor
matéria-prima as menor preço em qualquer lugar do mundo;
·
Instalam-se onde
os governos oferecem mais vantagens ( terrenos, infra-estrutura, isenção ou
redução de impostos etc.) e a mão-de-obra é mais barata;
·
Com um eficiente
sistema de distribuição, enviam seus produtos para todos os cantos do mundo;
·
Fazem uma intensa
publicidade, convencendo-nos da necessidade de adquiri-los, criando necessidade
humanas inimagináveis, num mundo que não foram resolvidas questões básicas de
sobrevivência de centenas de milhões ou bilhões de seres humanos (fome,
emprego, moradia, educação, saúde etc.);
·
Têm um
faturamento gigantesco, que chega a ser superior à soma do PIB de vários
países.
Na
atual fase histórica de predominância do sistema capitalista, vem ocorrendo a
fusão de grandes empresas com ampliada concentração do poder político-econômico
e aumento de sua influência cultural. Junto com os fundos de pensão, fundos
mútuos de investimento e outras instituições similares, essas grandes
empresas, com sede em países desenvolvidos, operam financeiramente no mundo
inteiro. Com exceção dos de pensão, que precisam operar nos limites da
prudência e com perspectiva de longo prazo, os demais fundos e outras
instituições financeiras ou empresas, além de aplicar nos setores da indústria
clássica e principalmente nos de tecnologia de ponta e de serviços, controlam
usualmente os capitais voláteis ou de curto prazo. Fazem
investimento especulativos nas bolsas de valores de todo o mundo;
movimentando-se rapidamente em transações controladas por rede eletrônicas;
ignoram fronteiras nacionais e vão em busca de espaços geográficos que lhes
ofereçam rentabilidade; fogem do controle dos Estados nacionais, cujos governos
se sentem impotentes em discipliná-los. Desse modo, comandam a economia mundial
e influem sobremaneira no arranjo espacial ou na organização do espaço
geográfico das nações, segundo seus interesses ou conveniências.
"a Avolumam-se evidências de que, na economia global, cada vez
mais é o mercado financeiro, ou seja, as grandes corporações e não os governos,
que, em última análise, decide sobre os destinos do câmbio, da taxa de juros,
dos preços das commodities, da poupança e dos investimentos. Sem dúvida, a
liberalização e a globalização dos mercados são altamente vantajosas para o
grande capital, cujos horizontes e estratégias transbordam as fronteiras
estreitas do Estado nacional [...] Dificilmente encontrar-se-á uma referência
às prioridades sociais na retórica dos arautos da globalização."(H.
Rattner, Globalização..., in Revista do IEA, USP, set./dez.1995, p. 66.)
A
flexibilidade de negociação dessas empresas em vários espaços geográficos ao
mesmo tempo aumentou com a revolução científica da eletrônica. A informática, o
fax, a tevê a cabo e a Internet romperam as distâncias na comunicação; os
lugares mais longínquos tornaram-se muito próximos e o simples aperto de uma
tecla de computador pelos experts em mercado financeiro transfere
milhões de dólares da bolsa de valores de um país para outro. Os denominados
capitais de curto prazo ou voláteis fazem a especulação financeira onde bem
desejam. Se o mercado é propício aos investimentos, lá vai o capital
especulativo para o que chamam de mercado emergente, com uma rapidez
nunca vista.
No
contexto de um país subdesenvolvidos, os efeitos da globalização têm sido
desastrosos. Um exemplo ilustrativo foi o ocorrido com o México, que viveu sua
pior crise, financeira em dezembro de 1994. O país fora, até então, o melhor
aluno do FMI e do Banco Mundial; fez a desregulamentação da economia, a
abertura econômica ao exterior e a política de privatizações de suas
empresas estatais.
De
um dia para outro bilhões de dólares de capital especulativo foram transferidos
de suas bolsas de valores para outras praças. A crise financeira resultante teve
as consequências típicas desse quadro: inflação, recessão, aumento do
desemprego e falências de empresas.
Estamos
vivendo, portanto, um momento ímpar na história da humanidade. A globalização
da economia exige das empresas nacionais um esforço para se adaptarem à nova
realidade mundial, com métodos cada vez mais apurados de administração
empresarial, controle eficaz do capital financeiro, novas tecnologias, baixos
custos de produção, mão-de-obra altamente qualificada etc., requisitos que elas
nem sempre são capazes de possuir.
No
mundo globalizado, a competição e a competitividade entre as empresas
tornaram-se questões de sobrevivência. Entretanto, como o poder das empresas
(quanto ao domínio de tecnologias, de capital financeiro, de mercados, de
distribuição etc.) é desigual, surgem relações desiguais entre elas e o
mercado. Algumas sairão vitoriosas e outras sucumbirão. Muitos setores da
economia estão oligopolizados e até mesmo monopolizados, dificultando a entrada
de novos competidores. Desse modo, a noção de livre mercado é relativa. Muitos
setores da atividade econômica já tem "dono" e dificilmente
permitiram a entrada de novos produtores. A globalização da economia e das
finanças beneficia, assim, amplamente o grande capital, as grandes corporações
transnacionais.
Inserido
nessa nova conjuntura, nessa nova ordem econômica, o Brasil fez a abertura
econômica para o exterior, tem aplicado a política de privatizações e
empenha-se em desregulamentar sua economia, oferecendo vantagens às
transnacionais para que aqui se instalem. Em alguns seguimentos da economia,
como as indústrias farmacêuticas, da borracha, do fumo e a automobilística,
existe um domínio absoluto das transnacionais. Cerca de 44% do total das
exportações de manufaturados brasileiros são das transnacionais. Somos uma das
economias mais internacionalizadas do mundo e caminhamos a passos largos para
que essa característica se acentue, em vista do processo de globalização que
estamos vivendo.
O
desafio que esse quadro nos impõe é o de definir uma política de controle da
ação dessa corporações e dos capitais de curto prazo, principalmente daqueles
que possuem enorme poder econômico e político, e centro de decisão sediados no
exterior.
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